25 de janeiro de 2012

Made In Heart

Nada me pertenceu - nem o vestido indecente
que pedi emprestado para te oferecer os seios, nem
os seios, que eram já teus muito antes do vestido.

O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,
nem o espelho se convenceu a devolver-mo.

Todas as coisas que a casa guardou quando partiste não
me pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais
cinzentos, sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda
gritam; e mesmo a cama onde só teu corpo era bem-vindo
nunca chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,
encontraria nela o meu lugar, e não o teu vazio.

Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias dentro do meu corpo, das outras vi-te abraçar a
solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre

te pertenceu - e a mão desesperada que o procura não
sente bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos
que escrevi não me pertenceram, porque essa vida
que pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora
em que te foste - e a que tenho agora é mais
branca e vazia do que a morte, não é vida nem nada

que eu queira alguma vez que me pertença.

Maria Do Rosário Pedreira


Bocas OnLine

6 comentários:

Ale disse...

Que texto maravilhoso,

Do que tinhas, nada deixastes,

Nem a mim, nem a mim... Mesmo não querendo, segui contigo,


Um beijo!

Seraphyta disse...

Obrigada Alê.

Agradeço a simpatia e por teres passado no meu cantinho :)

Um beijo!

Liberdade. disse...

querida,

simplesmente maravilhoso!

o blog é apaixonante!

Anónimo disse...

Arrrffff..esse doi na alma..esse texto cruzou-se comigo antes e sempre me rasga as entranhas...começo a gostar muito daqui

Seraphyta disse...

Obrigada Liberdade :)

Agradeço a simpatia.
Volta...a porta está aberta :)

Seraphyta disse...

Obrigada Quim :)

É um poema que nos deixa em asfixia, sem ar...belo, belíssimo.