25 de junho de 2011

Haverá Talvez Um Poema Em Que O Soluço Aperte As Veias...


 haverá talvez um modo de amanhecer
que revele nos olhos o secreto ardor
com que se levanta o trigo enorme.
haverá talvez um lago que a noite não toque
e de dia em dia, como ontem, como amanhã,
cante a mulher que ali foi ver nascer o filho.
haverá talvez um suor que não o do sacrifício
e com o qual a pele cintile como uma borboleta
que vem descendo o céu até à flor dos teus lábios.
haverá talvez uma fala onde nos poderemos encontrar
sem que a tua mão esqueça a minha, sem que o sorriso
esconda o vazio, uma fala que só possa e saiba dizer nós.
haverá talvez um poema em que o soluço aperte as veias
como o rio aperta o mar, um poema em que eu e tu
dormimos sobre o luminoso esplendor do universo.

Vasco Gato

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21 de junho de 2011

Sou Uma Cidade Esquecida...


Ela disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio.
Ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.
Ela disse: Não sou exactamente uma cidade.
Uma cidade é diferente de uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio exacto.
Agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: Um pouco de ar entre nós.
Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
Ele disse: Eu corro.
De telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas mãos libertas.
Ela temeu o adeus, disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele riu.

Filipa Leal



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18 de junho de 2011

Eu Vou Colhendo Com Unção Os Dias...


Eu vou colhendo com unção os dias
conforme tu os confias
à minha mão:
leves vestes que enfio
quando me despe o coração.

Ruy Belo


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Beauty...Madness



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16 de junho de 2011

Love And Passion




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E De Repente Acordamos Um Dia...

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero

Alice Vieira

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14 de junho de 2011

Bad Liver



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Um Convidado Estranho...


entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite
entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos sem ajuda
[ recordar
mas que habitam a mais frágil memória de nós próprios
palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele
e a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor
porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros, o chão, o tecto
como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve

Alice Vieira


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12 de junho de 2011

Desire





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Tudo É Como Um Interior Violado


Luz descerrada e crua
Que não rodeia as coisas
Mas as desventra
De fora para dentro

Espaço de uma história sem refúgio

Tudo é como um interior violado
Como um quarto saqueado

Luz de máquina e fantasma

Sofia De Melo Breyner Andresen



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11 de junho de 2011

Orelha Negra




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Abraça-Me




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Eu Quero Olhar-Te Nos Olhos...


Eu quero olhar-te nos olhos,
E ver-te afastar delicadamente o cabelo da cara
Enquanto encostas a cabeça à ombreira da janela da sala,
E agarrar as tuas mãos febris
Com as minhas mãos geladas
E dizer-te que as nossas mãos
São asas com que podemos voar
Para lá da pequenez desta prisão crepuscular,
E mergulhar na magnitude do mistério.
E ouvir-te dizer que voar é impossível
E dizer-te que entre nós não há impossíveis,
E ver-te procurar a serenidade num cigarro
E esconder-te o isqueiro debaixo da manta
Cor-de-fogo que cobre o sofá velho,
E ver-te ir à última gaveta do móvel de carvalho
E acender o teu cigarro com um dos infindáveis
Isqueiros que lá guardas,
E ir à última gaveta da tua alma
E de lá arrancar o teu enigmático sorriso.
E fingir que não percebo que enquanto nos beijamos
Me roubas, maquiavelicamente, o comando da televisão,
E falar-te acerca da rapariga das tranças ruivas
Que aparece, na magia dos meus sonhos,
Sentada no banco do jardim da lua,
E sorrir aos teus ciúmes de alguém que não existe,
E fingir que estou a tossir mais que aflito
E ver-te esmagar bruscamente o cigarro contra o cinzeiro
E refugiares-te no chá de cereja,
E ouvir-te elogiar as chávenas rubro incandescente,
Que trouxeste da viagem ao México,
Só porque sabes que não gosto daquelas chávenas,
E ver-te despir para tomar banho
E tocar-te como quem lê um poema em braille,
Como se o teu corpo fosse, simultaneamente,
Uma encruzilhada onde me perco
E um mapa onde me volto a encontrar,
E reter-te por séculos nos meus braços,
E fugir quando alcanças o chuveiro ameaçador,
E esperar ansiosamente que termines o teu banho
E beijar o calor da tua pele húmida quando regressas,
E sorrir ao olhar falsamente ressentido
Que lanças desde o sofá onde estás deitada
Com o cabelo molhado,
E ver-te ceder ao peso das pálpebras
Quando as horas pesam séculos sobre os olhos,
E adormecer junto a mim,
E ser percorrido pela profunda paz
Que emerge da perfeição daquele momento,
Perfeição que, felizmente, não tens:
Gosto de ti, não apesar dos teus defeitos,
Mas com os teus defeitos. Todos.
E tocar-te uma vez mais,
Mas querer também deixar-te dormir,
E acordar antes de ti,
E ir à padaria buscar pasteis de nata
E ver-te deliciar com eles
Sem te importares de semear a cama com migalhas
Enquanto eu me delicio com o teu sorriso,
E ver-te beber sumo de laranja
Segurando o copo com as duas mãos,
E pressentir que te conheço há sete vidas
E que afinal tudo isto faz sentido
Porque tu existes,
E perceber a sorte que tive em te encontrar
No meio de seis biliões de seres humanos.
Eu quero olhar-te nos olhos,

E…

Gonçalo Nuno Martins

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9 de junho de 2011

Dolls

DoLLS



They can be bashful

They say girls become pretty when they're in love.
Is it really so?
I hope it's true.

Kitano Takeshi [2002]

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7 de junho de 2011

Roll The Dice


If you're going to try, go all the way.
Otherwise don't even start.
This could mean losing girlfriends, wives, relatives, jobs.
And maybe your mind.
It could mean not eating for three or four days.
It could mean freezing on a park bench.
It could mean jail.
It could mean derision.
It could mean mockery, isolation.
Isolation is the gift.
All the others are a test of your endurance.
Of how much you really want to do it.
And you'll do it, despite rejection in the worst odds.
And it will be better than anything else you can imagine.
If you're going to try, go all the way.
There is no other feeling like that.
You will be alone with the gods.
And the nights will flame with fire.
You will ride life straight to perfect laughter.
It's the only good fight there is.

Charles Bukowski

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If You Are Going To Try, Go All The Way



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Sublime Sedução


Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém...

Maria Gabriela Llansol



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6 de junho de 2011

Ainda Espero...


Ainda espero o amor
como no ringue o lutador caído
espera a sala vazia

Primeiro vive-se e não se pensa em nada
não me digam a mim
com o tempo apenas se consegue
chegar aos degraus da frente:
é difícil
é cada vez mais difícil entrar em casa

Não discuto o que fizeram de nós estes anos
a verdade é de outra importância
mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores

E ainda se me deixo ficar
um pouco além do razoável

não ouvem? O amor é um cordeiro que grita abraçado à minha canção.

José Tolentino Mendonça

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Vem...


Vem Morder-Me O Coração


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4 de junho de 2011

Rasgo O Melancólico



[...]
sacio a sede com a tua sombra para que nada me persiga
teço o casulo de cocaína escondo-me no mel da língua
lembro-me... fomos dois amigos e um cão sem nome
percorrendo a estelar noite noutros corpos
[...]

Al Berto

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No Name




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