25 de novembro de 2012

Fechada A Sete Chaves


Mãe, eu quero ir-me embora — a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram —
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora — os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim — tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora — nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique —
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito
como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora — esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua — a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

Maria Do Rosário Pedreira

Bocas OnLine

10 comentários:

Anónimo disse...


http://www.youtube.com/watch?v=kLlBOmDpn1s

Mais la vie separe ceux qui s'aiment
Tout doucement, sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants desunis

Seraphyta disse...

Para o Anónimo,

http://www.youtube.com/watch?v=eDAk1RpWZWQ&feature=related

Anónimo disse...

Duras

"Donde pode nascer o amor? Talvez de uma súbita falha do universo, talvez de um erro, nunca de um acto de vontade."

Anónimo disse...

Ela sabe que se trata apenas de um jogo fácil que lhe apetece ganhar. Não se importa de perder quem perdeu antes de começar.
Ela sabe...

Seraphyta disse...

Anónimo,

...demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas...

Seraphyta disse...

Anónimo,

[Ela sabe...??]

Sou um desastre humano. Ninguém mo disse. Sou eu que o digo. Vivo de incertezas. A única certeza que me resta é que tenho de voltar a tomar os comprimidos e marcar uma consulta com a minha médica. Mas não vou fazer nada disso. Eu minto-lhe e ela mente-me, dizendo que me vai livrar de todos os meus desordenados pensamentos. Por isso nunca lhe digo que deixei de tomar os comprimidos. Se eles me impedem de pensar, prefiro a minha doença.Fui de férias. Viajei para longe para me esquecer de mim. Não deu resultado. Para onde quer que vá a minha cabeça é a mesma. Não consigo tirar férias de mim. Talvez fosse melhor ser uma pessoa normal, com rotinas, família e coisas dessas. O meu azar é ter fé em coisas utópicas, coisas que não existem. Em nada me sinto segura, ninguém me pode convencer, só eu me posso convencer a mim própria. Há muito que me convenci que não tenho cura e os dias passam sem piedade.Vim de férias

Anónimo disse...

As pessoas deviam ter mais de uma vida ou, pelo menos, uma que pudesse também voltar atrás se necessário. Para corrigir o que saiu mal à primeira, aprender a saborear as poucas horas boas - tal como uma canção que quanto mais se ouve mais se gosta - e, sobretudo, para poder ir primeiro por um lado e depois por outro e depois, sim, seguir pelo caminho encontrado

Seraphyta disse...

Anónimo,

"Donde pode nascer o amor?..."


"(...)E para que serve o amor, diz-me já.
Serve para perder o medo."

Anónimo disse...

Sabe, ou deveria saber.


"No outro lado da noite
o amor é possível

- leva-me -

leva-me entre as doces substâncias
que morrem cada dia na tua memória"

Seraphyta disse...

Anónimo,

Só resta cultivar a melancolia quando tudo à nossa volta é um campo minado. E, quando se olha para trás só vemos estilhaços e memórias fragmentadas.