13 de abril de 2013

Um Silêncio Perfeito...

E sobretudo olhar com incidência. Como se nada se passasse, o que é certo. Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite. Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatido pela chuva. Como quando se abre uma flor e se revela o coração que não tem. Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral. Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste. A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos fritos. E a sede, a minha memória é de sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações. Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro. Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Ha alguém aqui que treme. Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem. E o que desejava eu? Desejava um silêncio perfeito. Por isso falo. A noite parece um grito de lobo. Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento. A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma. Algo cai no silêncio. A minha palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa. Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento. Deslumbramento do dia, pássaros na manhã. Uma mão desata as trevas, arasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Volto à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.

Alejandra Pizarnik

Bocas OnLine

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