faz do sangue a morada das tuas noites
e nada será tão verdadeiro
como o lume da pele com que te dispo
e o que resta das manhãs que deixaste
à cabeceira do meu corpo
ficará entregue às tuas mãos de terra
onde tudo pode a seu tempo germinar
mas há sempre uma noite em que tudo
magoa assustadoramente
mesmo que na escada o som dos teus passos
se prolongue em todos os corredores das minhas mãos
e já não posso adiar por mais tempo
as palavras que sempre soube terem
um prazo secreto de validade
para nos ferirem de morte
então
deixa que a minha boca desfaça no teu corpo
os caminhos da casa a que um dia
vais querer voltar
porque terás sempre o meu nome
a rebentar das tuas veias
e hás-de esquecer entre os dentes
a areia que media o tempo das esperas
vermelho e leve como as romãs de novembro
e muito mais tarde alguém te vai pedir amor
como se fosse um fruto fora de época
ou o cheiro a incenso de um domingo de província
e tu não vais ter nada para dar
porque tudo o que havia eu já levei comigo
entre os cigarros / os retratos / a roupa amarrotada
mas ouve
não abras ainda a porta
restam-me alguns segundos para ensinar
à memória que vais ter de mim
como adormecer na curva das madrugadas
- para que um dia ela consiga perceber
que é assim que tudo acaba
Alice Vieira
Bocas OnLine
2 comentários:
Por onde andas?
Teus post's fazem sempre falta. Verdadeiramente!
Beijinho
Estive "ausente" durante algum tempo...
Fico feliz por te ter por aqui :))
Beijinho
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